domingo, dezembro 29, 2013

azul é a cor mais quente **

Alguns filmes crescem na memória. Outros ficam menores. O novo filme-sensação do franco-argelino Abdellatif Kechiche me parece (cada vez mais) estar no segundo time. É só lembrar de “Azul é a cor mais quente” que eu fico mais e mais incomodado. O filme é eficiente, porém limitado. Nada demais, embora com alguns pontos positivos. Isso já tinha ficado claro. Em um primeiro visionamento, contudo, apeguei-me ao sentido de urgência já característico do cinema Kechiche, e me perguntava durante a sessão se aquilo não era melhor compreendido como uma experiência subjetiva da personagem.

Agora, contudo, o que mais me salta à memória é um desejo de grandeza, uma vontade onipotente de cobrir tudo, absolutamente tudo. “Azul é a cor mais quente” é enorme. Suas cenas quase sempre duram mais do que de fato necessitavam. É curioso como, em um primeiro momento, o filme retira muito de sua força justamente dessa duração. Em um segundo momento, entretanto, o que se sobressai pra mim são alguns esquematismos e simplificações bem complicadas. Vejo um certo determinismo em algumas relações, sobretudo no que diz respeito a Adele e suas amigas de escola. O bar de lésbicas é um crime de tão estereotipado, assim como o mundo artístico da cidade. A própria personagem da Emma, suas motivações e dilemas artísticos e profissionais, parece saída de uma espécie de manual.

Esse desequilíbrio sempre esteve presente no cinema de Kechiche, e isso me faz pensar, com uma convicção cada vez mais forte, que para o franco-argelino, o estilo precede mesmo ao filme: a câmera (multicâmeras, na verdade) na mão hiperativa, quase sempre bem perto dos corpos, muitas vezes em closes, com cortes sucessivos dentro das cenas e muitas elipses. O final aberto me irrita bastante também. É algo recorrente no cinema de Kechiche, embora também esteja presente no cinema de muitos outros. Ela aspira a algo aberto, aberto ao nosso testemunho, como algo que se desenrolou e se desenrolará... A cena ainda dura, mais uma vez, mais do que ela precisava... O que vejo é uma manipulação dramática muito forte e consciente. Quer dizer: Kechiche dá vida aos seus personagens, mas também os asfixia. Às vezes a impressão é a de que os personagens nascem já asfixiados, algo como natimortos. Enfim...

terça-feira, dezembro 17, 2013

doce amianto ****

Que filme bonito. Dói-me vê-lo sair assim do circuito carioca, em apenas duas semanas, como se sequer tivesse entrado em cartaz. Dói-me porque, para além de ser comoventemente belo, é um filme que quer ser visto. Acho mesmo que caso a divulgação fosse mais presente e os exibidores um pouco mais corajosos, “Doce Amianto” encontraria seu público, fiel e apaixonado. Eu mesmo fui vê-lo sozinho pela primeira vez. Depois voltei com minha esposa e minha mãe. Elas indicaram para outras pessoas. O meu primo ouviu, gostou e indicou para os seus. Estes vão ter que esperar pelo DVD...

Amianto é um personagem diferente, afetada como o filme. Amianto é uma certa sensibilidade. Amianto é ela mesma uma espécie de artifício. É vulnerável, porém invencível. É excessiva, mas não precisa de muito. Amianto é um duplo fabular que se propaga, que se dissemina por uma vontade de narratividade, de afirmação e desejo. Amianto busca um lugar para chamar de seu. Este lugar, é preciso construí-lo, a cada fantasia, a cada afeto, a cada encontro, através do cinema. Um lugar que nem por isso deixa de ser real.

É na verdade bem curioso o fato de meu último post ter sido sobre Manoel de Oliveira e seu caso de amor pelo artifício cinematográfico. A riqueza contagiante de “Doce Amianto” é de natureza parecida. O filme exala aquela consciência de seu próprio lugar na história das formas cinematográficas, aquela noção de ter vindo depois. Algo que me lembra o diagnóstico de Alain Bergala, que, nos anos 80, usou o termo “maneirismo” para se referir ao cinema de Lars Von Trier, Win Wenders e Jim Jarmush, entre outros. “Doce Amianto” compartilha essa constatação da idade avançada do cinema e se constitui em uma espécie de inventário de formas cinematográficas. São muitas referências. São muitos artifícios. São muitas “maneiras”. O que é extremamente interessante é que tudo isso é captado na mesma textura, identificáveis, embora indiferenciáveis. Quer dizer: a constatação da idade do cinema e o inventário de formas se fazem sem peso ou dificuldade. É um amor pansexual este que “Doce Amianto” alimenta com o cinema e suas convenções. Através delas, da exploração daquilo que elas podem, busca-se novos vínculos com o mundo.

terça-feira, dezembro 10, 2013

o estranho caso de angélica ****

Vi este filme novamente. Viria mais algumas vezes. “O estranho caso de Angélica” é um grande filme. Manoel de Oliveira faz um cinema que me agrada cada vez mais. Eu tinha uma certa implicância com os seus longas, sobretudo, com o português de Portugal. Uma idiossincrasia minha, difícil de ser superada. O tempo, os anos que ganhei ao longo do tempo, contudo, abriram-me os olhos e os ouvidos. E hoje, me vejo divertindo-me aos montes nos filmes de Oliveira.  

Não foi diferente neste “O estranho caso de Angélica”. É curioso como Oliveira consegue imprimir uma certa indeterminação temporal em seus filmes. As referências temporais confundem um pouco as coordenadas, embora sem jamais chamar atenção pra si ou atrapalhar a compreensão da coias. Quer dizer: ao contrário, a indeterminação faz incrivelmente bem ao jogo cinematográfico um tanto romântico que Oliveira nos propõe neste longa. Ela talvez aumente o alcance do filme. Não sei bem. “O estranho caso de Angélica” é certamente um filme livre e desimpedido.  

É incrível como o varal de fotos do quarto de Isaac (Ricardo Trêpa, um animal oliveiriano) contém o conflito que move o filme. As fotos de Angélica morta, porém, bela e como que sorrindo, são intercaladas com as imagens de um grupo de homens e suas enxadas, arando um campo. A beleza assustadora de Angélica. A brutalidade bela dos trabalhadores. A noite e o dia. O interior e o exterior. A mágica e o documento. O sonho e a realidade. Morte e vida. A sucessão das imagens nos varal faz das fotografias cinema. Oliveira sempre fala de cinema. Espírito, Matéria, Imagem. E cinema, como nenhuma outra arte, é capaz de capturar tudo na mesma textura, em uma dialética ativa entre o atual e o virtual, o interno e o externo, o concreto e abstrato, o sonho e a realidade.

A imagem de Angélica, morta, vem à vida, toma seu “criador” de assalto, torna-se mais real do que o mundo do qual ela foi extraída. Isaac se apega aos trabalhadores, vive em uma espécie de inter-mundo, entre eles e Angélica. Eis que, de repente, em um sonho, Angélica aparece, o abraça, e, juntos, eles voam pela cidade. O voo de Angélica e Isaac é movido a inesperados efeitos especiais, em preto-e-branco. Fala-se em homenagem a George Meliés. Fala-se em um elogio a um tempo, digamos, mais artesanal. Talvez seja tudo isso mesmo. E um pouco mais. Isaac acorda, dá-se conta que estava sonhando, e se pergunta: “seria isto o absoluto pelo qual eu ansiava”?

Caramba! Isaac tem razão. Ele passará o resto do filme esperando por momento absoluto. Eu, enquanto esperava com ele, me perguntava o que isso dizia sobre o cinema de Oliveira. Afinal, ao busca uma imagem do absoluto, o cineasta centenário esculpiu (e o termo não é empregado à toa) uma sequência artificiosa, brincalhona, um tanto irreal, porém também absolutamente realista. Ou não? Não é uma maravilha? O artifício oliveiriano é algo que supera dicotomias que marca o cinema e o pensamento sobre ele. “O estranho caso de Angélica” pode ser sintetizado como uma certa postura do cinema diante do mundo. Oliveira é um cara fascinado pelo poder do cinema, ou melhor, pelas convenções mais disseminadas do cinema.

quarta-feira, dezembro 04, 2013

miklos jancso

Começou na Caixa Cultural uma mostra com alguns filmes do húngaro Milos Jancso! Vejam a programação abaixo. Se tiver que escolher um, vá ver "Os sem esperança" (1966). Dá-lhe plano sequencia.

QUARTA-FEIRA, 4 DE DEZEMBRO
14h30 - Rapsódia Húngara (Magyar rapszódia) – 1978, DVD, 103min | Classificação: 16 anos
17h - Allegro Bárbaro (Magyar rapszódia II) – 1979, DVD, 73min | Classificação: 16 anos
19h - Coração Tirano, aliás, Boccaccio na Hungria (A zsarnok szíve, avagy Boccaccio Magyarországon) – 1981, 35mm, 96min | Classificação: 14 anos

QUINTA-FEIRA, 5 DE DEZEMBRO
15h40 - Inverno de Sirocco (Sirokkó) – 1969, DVD, 80min | Classificação: 14 anos
17h40 - Silêncio e Grito (Csend és kiáltás) – 1967, 35mm, 73min | Classificação: 12 anos
19h10 - DEBATE: A ESTÉTICA DE JANCSÓ – com Hernani Heffner, pesquisador e chefe de preservação no MAM-Rio e Ruy Gardnier, fundador da revista de crítica cinematográfica Contracampo e crítico no jornal O Globo.

SEXTA-FEIRA, 6 DE DEZEMBRO
17h - Temporada dos monstros (Szörnyek évadja) – 1987, DVD, 100min | Classificação: 14 anos
19h - Ventos Cintilantes (Fényes Szelek) – 1968, 35mm, 80min | Classificação: 10 anos

SÁBADO, 7 DE DEZEMBRO
15h - Em Budapeste, o Senhor deu uma lanterna em minhas mãos (Nekem lámpást adott kezembe az Úr Pesten) – 1998, 35mm, 103min | Classificação: 12 anos
17h - Coração Tirano, aliás, Boccaccio na Hungria (A zsarnok szíve, avagy Boccaccio Magyarországon) – 1981, 35mm, 96min | Classificação: 14 anos
19h - Os sem-esperança (Szegénylegények) – 1966, 35mm, 90min | Classificação: 12 anos

DOMINGO, 8 DE DEZEMBRO
14h - Temporada dos monstros (Szörnyek évadja) – 1987, DVD, 100min | Classificação: 14 anos
16h - O horóscopo de Jesus Cristo (Jézus Krisztus horoszkópja) - 1988, 35mm, 90min | Classificação: 14 anos
18h - Silêncio e Grito (Csend és kiáltás) – 1967, 35mm, 73min | Classificação: 12 anos

//SEMANA 2

TERÇA-FEIRA, 10 DE DEZEMBRO
15h - Rapsódia Húngara (Magyar rapszódia) – 1978, DVD, 103min | Classificação: 16 anos
17h - Ventos Cintilantes (Fényes Szelek) – 1968, 35mm, 80min | Classificação: 10 anos
19h - DEBATE: HUNGRIA, HISTÓRIA E CINEMA – a confirmar

QUARTA-FEIRA, 11 DE DEZEMBRO
14h - Inverno de Sirocco (Sirokkó) – 1969, DVD, 80min | Classificação: 14 anos
16h - Meu caminho pra casa  (Így jöttem) – 1964, DVD, 109min | Classificação: 12 anos
19h - Vermelhos e Brancos (Csillagosok, katonák) – 1967, 35mm, 90min | Classificação: 12 anos

QUINTA-FEIRA, 12 DE DEZEMBRO
15h - Electra, meu amor (Szerelmem, Elektra) – 1974, 35mm, 70min | Classificação: 14 anos
17h - Salmo Vermelho: O Povo ainda quer mais! (Még kér a nép) – 1971, 35mm, 87min | Classificação: 14 anos
19h - Cantata: dissolução e ligação (Oldás és kötés) – 1963, 35mm, 94min | Classificação: 12 anos

SEXTA-FEIRA, 13 DE DEZEMBRO
17h - Allegro Bárbaro (Magyar rapszódia II) – 1979, DVD, 73min | Classificação: 16 anos
19h - Em Budapeste, o Senhor deu uma lanterna em minhas mãos (Nekem lámpást adott kezembe az Úr Pesten) – 1998, 35mm, 103min | Classificação: 12 anos

SÁBADO, 14 DE DEZEMBRO
15h - O horóscopo de Jesus Cristo (Jézus Krisztus horoszkópja) - 1988, 35mm, 90min | Classificação: 14 anos
17h - Electra, meu amor (Szerelmem, Elektra) – 1974, 35mm, 70min | Classificação: 14 anos
19h - Salmo Vermelho: O Povo ainda quer mais! (Még kér a nép) – 1971, 35mm, 87min | Classificação: 14 anos

DOMINGO, 15 DE DEZEMBRO
15h - Cantata: dissolução e ligação (Oldás és kötés) – 1963, 35mm, 94min | Classificação: 12 anos
17h - Vermelhos e Brancos (Csillagosok, katonák) – 1967, 35mm, 90min | Classificação: 12 anos