sábado, fevereiro 25, 2012

a separação ***

Eu ando lendo por aqui alguns textos de filosofia política e, ao ver este “A separação”, não consegui parar de pensar em Rousseau. O pensador francês não busca organizar conceitos abstratos como a maior parte dos filósofos, mas conhecer e compreender o homem. Pra ele, o homem é bom por natureza, a sociedade é que o corrompe. Mais do que isso. O homem é perfectível, um animal em devir. A partir de uma inocência originária (que se mantém em nós sufocada), nos tornaríamos bons ou maus. Lembro de uma passagem de “Confissões”, a autobiografia de Rousseau, em que o autor descreve um incidente ocorrido entre ele e uma criada chamada Marrion. Ao serem chamados pelos donos da casa, ele a acusou de ter roubado uma fita (na verdade, o culpado era ele). Marrion foi expulsa e Rousseau sublinha ter sido este o maior erro de sua vida. Contudo, quando o confessa em seus escritos, declara jamais ter sido tão bom. Nem é preciso dizer quanta confusão isso criou na época. Até hoje, Rousseau parece-me classificado com um pensador, no mínimo, ingênuo.

Mas é importante entender que para ele existe uma inocência primitiva que está fora do bem e do mal, da virtude e do vício. Em sua infância, o homem é anterior à fase em que se tornará moral ou imoral: ele é inocente. A “bondade”, na infância e na vida adulta, não é nem boa nem má, mas uma espécie de valor psicológico e não ético. Está mais para uma espécie de predisposição espontânea para a piedade e a benevolência. Ser bom, para Rousseau, é colocar-se no lugar do outro. Ele sentiu o que Marrion sentia, condenava-se como ela o condenava. Mas, por timidez e por temor, não ousou dizer a verdade e cometeu o pior dos erros. Contudo, não foi bondade o que lhe faltou, e sim virtude.

E o que isso tem a ver com “A separação”? Acho que a descrição que Rousseau faz da natureza humana está em sintonia com o que vemos neste filme. Nenhum dos personagens é sacana ou mau. Na verdade, são todos boas pessoas. Querem fazer o bem, mas estão a todo o momento cometendo falhas. O que lhes falta, no entanto, mais uma vez, não é bondade, mas virtude. O curioso é que estas falhas, como bolas de neve, crescem, se expandem, contaminam tudo. A última sequencia do filme é paradigmática neste sentido. A inocência da filha do casal, atacada por todo o longa, é, no fim, corrompida por completo quando obrigam a menina a escolher um dos pais.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

terça-feira, fevereiro 21, 2012

j. edgar ***

Acho estranho quando um filme é desqualificado (como ocorreu, por exemplo, na crítica do “O Globo”) por problemas de maquiagem. Ok, a maquiagem de Di Caprio é mesmo ruim. E isso prejudica a nossa entrada no longa até certo ponto. Agora, “J. Edgar” é mais um ótimo filme de Clint Eastwood. É incrível como Eastwood consegue (nesta que é uma de suas assinaturas) construir relações humanas tão carregadas de sentimentos. Este é um filme de cenas antológicas: o beijo e a briga apaixonados e apaixonantes entre os dois protagonistas; a sequência em que Edgar coloca o vestido da mãe recém falecida e se vê no espelho; o último e terno beijo na testa de Tolson já no fim do filme.

Eastwood não quer chegar ao homem por trás do mito. Tampouco toma o personagem como exemplar - gosto muito como, no fim, Hoover não reconhece o mundo em que vive, embora tenha consciência de que ele foi um dos agentes privilegiados deste estado de coisas. O que interessa ao cineasta americano é um gesto de aproximação. Eastwood está sempre privilegiando o elemento humano. E tudo acontece de maneira natural, discreta, sem alardes. O cineasta seleciona e narra fatos. Através deles, identificamos obsessões, desejos e fantasmas. Um personagem próximo, porém distante e por vezes até mesmo incompreensível. Este, na verdade, tem sido um dos grandes mistérios do veterano realizador: ser claro e objetivo e ao mesmo tempo preservar fissuras e obscuridades latentes. Essas lacunas ajudam a entender a força das cenas citadas no primeiro parágrafo.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

o artista **

Eu não entendo como alguém queira fazer hoje um filme mudo. Não acho que não se deva fazê-lo. Não acho que um filme mudo contemporâneo seria inevitavelmente ruim. Eu só não entendo o que leva um cineasta a fazer um filme mudo hoje. E me incomoda bastante a maneira como “O artista” vem sendo promovido na mídia de maneira geral. É como se o “mudo” fosse uma espécie de valor a priori, como se sua mudez fosse algo por si só digno de elogios. Acho isso tão estranho. E, na verdade, me parece que essa questão está lá no filme. Embora “O artista” seja divertido e tenha lá suas grandes cenas (como quando a atriz coloca um de seus braços no paletó de seu ídolo ou quando o protagonista é engolido pela areia movediça), o cinema mudo para ele é algo como um verbete de dicionário, uma coisa meio morta, reduzida a códigos, regras e efeitos. Isto, aliás, é bem curioso. Por que, neste sentido, este filme de Michel Hazanavicius não poderia ser mais contemporâneo nessa sua valorização pelo estilo (como arte da cópia) e pela obediência a um certo número de regras. Fiquei pensando no “Machete”. São filmes opostos. “O artista” é sério, orgulhoso de seu ar de alta cultura, apesar de ter sido produzido para o consumo rápido das classes média do mundo inteiro. O filme de Rodrigues caracteriza-se por uma negação da seriedade, por um certo desprezo por instâncias oficiais de legitimação do gosto na arte e na cultura.

* outra coisa: não gosto da atuação e das caretas dos atores deste filme, com a exceção de John Goodman.

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

os homens que não amavam as mulheres ***

Gostei de “Os homens que não amavam as mulheres”. Mas não muito. David Fincher é um cineasta competente, sem dúvida nenhuma. Contudo, há uma espécie de grife fincher... Não sei se me entendem. É como se Finhcer, agora um cineasta de qualidade consagrada, estivesse confortável, preguiçoso, pouco corajoso. Bom, talvez coragem, digamos, estética nunca tenha sido um forte de Fincher. Mas este “Os homens que amavam as mulheres”, embora sempre divertido, esteja, como apontou o J. Hoberman lá no “Village Voice”, mais para “evening stroll through a well-lit topiary garden” do que “a walk on the wild side”. Algo que me incomoda bastante neste filme é o elemento sueco mal resolvido. Os atores falam inglês com sotaque britânico e dizem vez ou outra palavras como “tak” ou “hej hej”. É meio ridículo isto, não? Talvez tenha sido uma imposição do estúdio. Talvez os produtores acreditassem que isto fosse bom para a aceitação do filme internacionalmente. A mim, no entanto, me parece faltar “culhão” ao longa. A cena de estupro de Lisbeth também me incomoda bastante. Não acho que não se deva filmar cenas de estupro. Não é isso. Mas vejam parte da sequencia abaixo. A montagem, a trilha, as interpretações dos atores... É uma cena por demais espetaculosa, na minha opinião. Ela não é narrada colada à experiência da mulher que está sendo estuprada (e vive aquilo de uma maneira nem um pouco espetaculosa), nem a do estuprador. A maneira como a sequencia é filmada diz muito mais respeito à grife fincher e a nos espectadores. Não sei. Vi o filme ontem. Ainda estou a pensar sobre estas coisas.

A trilha sonora de Trent Reznor é incrível. Vejam aí a versão de “Immigrant Song” do Led Zeppeling.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

mostras

Duas mostras começaram esta semana. Uma traz os filmes de John Waters, na Caixa Cultural, e a outra leva alguns longas do húngaro Peter Forgacs ao CCBB. Vejam as programações e textos sobre os dois cineastas aqui e aqui, respectivamente.